As condições que envolvem o cidadão, sejam o ambiente físico, o acesso à educação, as condições de habitabilidade, o rendimento ou o emprego, são decisivas na forma como afetam a saúde e a qualidade de vida.
A sua natureza determinística impacta, sobremaneira, a capacidade de o individuo atingir o seu potencial.
São, por isso, chamados de Determinantes Sociais da Saúde (DSS), que a OMS define como “as condições ambientais em que as pessoas nascem, crescem, vivem, aprendem, trabalham e envelhecem”. Estas englobam um conjunto alargado de influências e de sistemas que moldam as condições de vida das pessoas, de forma mais ou menos direta.
Eixos estratégicos do plano nacional de saúde no seu modelo conceptual: cidadania em saúde; equidade e acesso aos cuidados de saúde; qualidade de saúde, e; políticas saudáveis.
Créditos: DGS
Sabemos hoje que os esforços feitos para obter melhorias nestes DSS, seja através de políticas de habitação, educativas ou outras, têm tal impacto na qualidade da saúde que, crê-se, terem contribuído mais para o aumento da esperança média de vida do que os avanços obtidos na medicina.
Todavia, os sistemas nacionais de saúde continuam a ter uma enorme responsabilidade na mitigação das iniquidades em saúde necessitando, para tal, de serem funcionais e acessíveis.
As desigualdades em saúde são de tal forma decisivas que a sua mera existência é, por si só, um foco de injustiça.
O SNS tem dado provas da sua eficácia, e ainda que possamos pôr em causa a sua eficiência, as evidências apontam para uma melhoria geral da saúde dos portugueses, comprovada por indicadores como a esperança de vida à nascença, a taxa de mortalidade infantil ou a taxa de vacinação da população.
Contudo, são também notórios os indicadores que apontam para uma persistente existência de iniquidades.
Dados fornecidos pelo INE em 2019 indicam que 41 % dos portugueses com idade igual ou superior a 16 anos sofrem de pelo menos uma doença crónica, o que constitui um valor superior à média da UE-27, que é de 36 %.
Densidade populacional (habitantes/km2) em Portugal por município, 2019; e, Distribuição espacial do Índice de Saúde da População para os municípios do Continente, 2011. Fonte: Santana P, et al, 2015
Portugal era também, em 2019, um dos países da UE-27 em que a apreciação que a população fazia do seu estado de saúde era mais baixa, com apenas metade da população a considerar o seu estado de saúde como bom ou muito bom, bastante abaixo da média europeia, que era de 68,6%.
Face a estes dados, e perante todas as insuficiências plasmadas nos noticiários diários, como podemos melhorar a saúde dos portugueses?
Para que haja progressos sustentáveis, o Plano Nacional de Saúde (DGS) sugere uma abordagem centrada não apenas na melhoria dos serviços e numa melhor utilização dos recursos, mas também no contributo dos cidadãos, colocando-os no centro do desenvolvimento de políticas públicas.
O cidadão, enquanto figura central do sistema deve poder participar nas decisões que lhe digam respeito e assumir o controlo sobre a sua saúde. Para tal tem de ser capacitado, cabendo ao Estado o papel de educador.
A educação para a saúde contribui para tomadas de decisão mais conscientes e para a adoção de comportamentos saudáveis, individual e coletivamente e, em última instância, para o exercício da cidadania em saúde.
Este é um processo que visa atuar diretamente na pessoa, influenciando-a e responsabilizando-a face às suas atitudes, crenças e valores. Entre a responsabilidade do indivíduo, ao nível comportamental, e a responsabilidade do Estado, ao nível das políticas públicas e da intervenção nos DSS, podemos desenvolver abordagens intermédias, centradas na promoção da saúde, cujos efeitos de longo prazo terão também reflexo ao nível da redução das iniquidades.
A literacia em saúde, que consiste nas condições que reúnem o conhecimento, a motivação e as competências que facilitam o acesso, a avaliação e o uso da informação com o fim de dar suporte às decisões em saúde, constitui um elemento determinante no sucesso de qualquer política de saúde.
Os seus impactos têm reflexos não apenas na compreensão dos elementos que afetam a saúde individual, mas também nos cuidados de saúde como um todo, por atuar como um facilitador na comunicação entre o cidadão, os profissionais de saúde e o sistema de saúde.
A baixa literacia em saúde está fortemente correlacionada com elevadas taxas de acesso a serviços de urgência, hospitalizações e re-hospitalizações, bem como a piores condições de saúde.
Esta associação é agravada por condições socioeconómicos adversas - comprovado por um abrangente estudo realizado às populações europeias (HLS-EU), o que evidencia a existência de um gradiente social na saúde.
A educação e a saúde estão inextricavelmente ligadas, pelo que promover o acesso à educação não é apenas um objetivo essencial para assegurar o desenvolvimento económico, social e humano, mas também uma política geradora de benefícios para a saúde.
Uma vez que o nível de educação está fortemente relacionado com as circunstâncias estruturais e sociais que envolvem as pessoas, é fundamental a implementação de estratégias que visem o desenvolvimento de competências relacionadas com a literacia em saúde, pois estas contribuem para atenuar as assimetrias pré-existentes.
Estas intervenções, que podem ser desenvolvidas central ou localmente, encontram um espaço privilegiado nas escolas, nos centros de saúde ou nas farmácias, onde é possível identificar pessoas provenientes de ambientes socialmente desfavorecidos, com baixos níveis de educação ou lacunas ao nível da literacia em saúde, para que possam ser alvo de um acompanhamento que lhes permita melhorar a relação funcional com a sua saúde.
Uma abordagem colaborativa entre profissionais, ancorada numa visão partilhada dos cuidados de saúde, é a visão defendida pela OMS, através da constituição de equipas multidisciplinares, que capacitem e apoiem o cidadão ao longo do seu percurso de vida.
A organização destas equipas representa um modelo agregador de recursos existentes, que não gera apenas valor para a sociedade e para o sistema, mas funciona também como mitigador de ineficiências e iniquidades.
Mónica Correia
Doutoranda em Comunicação e Saúde
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