No final do século XIX, Lewis Carroll publicou uma das obras mais emblemáticas da literatura infantil: Alice no País das Maravilhas. Uma das principais personagens, como todos se recordam, era a Rainha de Copas, cuja solução para todas as suas trapalhadas era a exclamação “Cortem-lhes a cabeça!”.
Se transportássemos esta estória para o atual contexto nacional, poderíamos adaptar o título para “Alice no País dos Socialistas”, em que a personagem da Rainha de Copas seria desempenhada na perfeição por António Costa.
Em todo este folhetim que se transformou o dossier da TAP, é para todos evidente que a demissão da presidente executiva e do chairman da empresa não foi nada mais do que um “cortem-lhes a cabeça”, perante a incapacidade de assacar responsabilidades políticas aos verdadeiros responsáveis pelo pagamento da indemnização à Engenheira Alexandra Reis, e à sua subsequente nomeação para presidente da NAV.
Isto porque, ao contrário do que nos querem fazer crer, ainda subsistem muitas dúvidas relativamente aos contornos de um processo que mais parece um jogo do empurra.
Senão vejamos: no relatório do IGF, é assumido que a Autoridade Tributária e o Ministério das Finanças não tinham qualquer conhecimento do acordo de rescisão da Engenheira Alexandra Reis.
Ora, a ser verdade isto é no mínimo estranho, porque a quando da Assembleia-geral da TAP para aprovação das contas relativas a 2021, onde já consta a “renúncia” de Alexandra Reis do Conselho de Administração (página 25), o representante do Estado Português estava presente e, como tal, deveria ter procurado averiguar dos motivos desta renúncia e os valores pagos a título indemnizatório.
Mais, o representante do Estado por norma é o Diretor Geral do Tesouro, que é portador de carta mandadeira emitida pela tutela, e cujo sentido de voto deve ser devidamente fundamentado por uma análise exaustiva do relatório e contas da TAP por parte dos assessores da Direção Geral do Tesouro, com conhecimento direto ao Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.
Portanto, ou sabiam e estão a omitir a verdade, ou de facto eram desconhecedores da situação e estamos a falar de uma profunda incúria por parte do governo, que não se preocupa minimamente com a gestão de uma empresa pública que, ao longo dos últimos anos, tem sido um autêntico sorvedouro do dinheiro de todos os portugueses.
Se a isto somarmos o facto do pagamento da indemnização ter tido o aval direto de Pedro Nuno Santos, antigo Ministro das Infraestruturas, e de Christine Ourmières-Widener (CEO da TAP) ter declarado que estava tudo articulado com a tutela… Então “something smells very fishy!”.
Mas as interrogações não ficam por aqui. Pelo contrário, apenas se adensam com a nomeação de Alexandra Reis para a NAV.
Nessa altura a Autoridade Tributária já estaria certamente ciente do acordo de saída de Alexandra Reis da TAP e da indemnização que lhe havia sido atribuída. E como já vimos, esta informação já constava dos relatórios e contas da TAP, sendo, portanto, do conhecimento do Governo, quando este, em 30 de junho de 2022, por despacho em Diário da República a nomeou para Presidente da NAV.
Nessa altura ninguém no Ministério das Infraestruturas, no Ministério das Finanças (já com o Fernando Medina), ou no gabinete do Primeiro-ministro se preocupou em saber porque é que Alexandra Reis havia saído da TAP e em que condições? Ninguém colocou em causa a questão de poder existir uma violação do estatuto do Gestor Público?
E do lado de Alexandra Reis, porque é que não houve o exercício do direito de recuo para as suas anteriores funções de Chief Procurement Officer da TAP (2017-2020), uma função que certamente não seria pior remunerada que o de CEO da NAV, e seria com toda a certeza um “emprego para a vida”?
Terá Alexandra Reis prescindido desta possibilidade por já saber que iria ser nomeada para a NAV, e que não poderia incorrer numa situação de conflito de interesses? Não é curioso que, num mandato de 4 anos, a diferença salarial entre vogal do Conselho de Administração da TAP e Presidente da NAV seja de aproximadamente 500 mil Euros? Todas estas questões continuam por responder, e muitas são de natureza política.
Talvez tenha sido por isso mesmo que António Costa, a nossa Rainha de Copas gritou do alto de São Bento: “cortem-lhes a cabeça”.
Num país em que normalmente a culpa morre solteira, poderemos sempre especular se este caso não traz “água no bico”, e se a demissão extemporânea de Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja não se trata apenas uma tentativa de salvar a pele aos principais titulares do Ministério das Finanças...
Pode ser que tudo se venha a esclarecer em sede de justiça, mas relativamente a Christine Ourmières-Widener e a Manuel Beja justiça lhes seja feita: ficarão para a história por terem conseguido recuperar financeiramente a TAP e de pôr a empresa novamente a dar lucros, algo fundamental para a concretização do processo de privatização, que aliás, nunca deveria ter sido revertido.
Fernando Santos
Politólogo
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