No passado dia 5 de Dezembro de 2022, realizou-se nos EUA uma experiência científica que consistiu em projetar lasers de enorme potência sobre uma porção minúscula de matéria contendo átomos de hidrogénio. Ao incidir sobre a matéria, os lasers elevaram a sua temperatura a milhões de graus centígrados, e comprimiram-na de tal forma que se desencadeou uma reação de fusão nuclear.
Por outras palavras, a matéria fundiu. Mas não fundiu da mesma forma que ferro fundido é derretido e, depois de arrefecido, continua a ser ferro. Não, a matéria fundiu a tal ponto que os núcleos dos átomos de hidrogénio se uniram para dar origem a novos elementos químicos nomeadamente hélio.
Este é o princípio da fusão nuclear, uma reação que ocorre nas estrelas, e que é a fonte de energia, nomeadamente, do nosso sol.
Fusão nuclear. Créditos: Universidade de Rochester
A natureza dos elementos químicos funciona de tal modo que os elementos mais leves (hidrogénio, hélio, etc.) libertam energia quando se fundem em elementos mais pesados. Contudo, no outro extremo da tabela periódica, temos elementos pesados (urânio, plutónio, etc.) que libertam energia quando os seus núcleos se desagregam em elementos mais leves.
Estas duas possibilidades dão origem a duas formas fundamentalmente diferentes de produção de energia nuclear – a fusão e a fissão, respetivamente.
As centrais nucleares atuais, que têm causado polémica na sociedade desde há décadas, são baseadas no princípio de fissão, que utiliza elementos instáveis e radioativos, que se desagregam espontaneamente. Efetivamente, estes elementos podem representar um risco para a saúde pública e para o ambiente, se não forem tratados com as precauções adequadas. Hoje em dia, é possível operar uma central nuclear de forma segura, mas o tratamento de resíduos radioativos continua a ser um problema.
A fusão nuclear oferece uma alternativa mais limpa e, pelo facto de utilizar elementos leves que podem ser encontrados ou produzidos com relativa facilidade, pode ser vista como uma forma de energia praticamente inesgotável. Além disso, é muito eficiente, no sentido em que uma pequena quantidade de matéria pode gerar enormes quantidades de energia. Foi isso que aconteceu no dia 5 de Dezembro, quando se mediu uma produção de energia 1,5 vezes superior à energia despendida para provocar o processo de fusão.
Apesar deste sucesso, a fusão nuclear tem ainda um longo caminho a percorrer. Ao longo de mais de 50 anos, sucessivas gerações de cientistas têm trabalhado em diferentes abordagens para construir um reator de fusão nuclear. A solução parece ser mais difícil do que o esperado, porque o problema não é aquecer matéria a milhões de graus centígrados; o problema é manter essas condições durante o tempo necessário para a produção de energia.
O reator de fusão ITER. Créditos: ITER
Na experiência com lasers, tudo aconteceu numa fração de segundo, mas para a produção de energia com perspetivas de comercialização, os cientistas estão a desenvolver um conceito de máquina toroidal, onde a matéria circula a altas temperaturas, usando campos magnéticos para a conter e evitar que entre em contacto com outros materiais. Uma máquina com esta arquitetura está a ser construída no sul de França, no âmbito de uma colaboração internacional (ITER – International Thermonuclear Experimental Reactor). Neste contexto, os resultados que têm vindo a ser anunciados, quer pelos EUA, quer pelo consórcio europeu EUROfusion onde Portugal participa, sustentam a convicção de que, num futuro não muito longínquo, poderemos vir a usufruir de uma fonte de energia que irá colocar a civilização humana num novo patamar de evolução, não só em termos da qualidade de vida no nosso planeta, como também nas possibilidades de exploração espacial que as novas capacidades energéticas irão oferecer.
Diogo Ribeiro
Docente universitário
Commentaires