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Entrevista a Francisco Cordeiro de Araújo

Como surgiu o projeto Os 230 e qual é a sua essência? De onde surgiu o teu interesse pela política?

Desde miúdo que a política me interessou, apesar de nunca sentir o apelo de me envolver em qualquer militância formal.

Em 2020, com o fechar de um ciclo na minha vida, quis criar um projeto novo e com pessoas fora da minha rede de conhecidos. A ideia de entrevistar deputados já fervilhava na minha cabeça há algum tempo, porque me fazia alguma confusão sermos uma democracia representativa, em que os representados não conhecem verdadeiramente os seus representantes.


Comecei então por me propor ao desafio de entrevistar todos os deputados à Assembleia da República. Perguntei a amigos se conheciam pessoas que pudessem ter interesse em pertencer a um projeto cívico e que tivessem competências de audiovisual. Foi assim que conheci logo a Inês França e a Daniela Loulé.

Quando lançámos o vídeo de apresentação, muito pela qualidade que elas impuseram neste trabalho, alcançámos muitas pessoas e o passa a palavra começou, e com o apoio de divulgação da Comunidade Cultura e Arte e o contacto com os media, esse processo foi ainda mais rápido.


Quais são os principais objetivos deste projeto?

A nossa missão é contribuir para o desenvolvimento da democracia portuguesa com isenção e pragmatismo. Nesse sentido, queremos fomentar a participação consistente e responsabilidade cívica, o diálogo democrático, o reforço da sociedade civil, a literacia política e esbater a distância entre cidadãos e mundo político.


Para isso, além das entrevistas a deputados e eurodeputados, criámos a Democracia 101 e Democracia nas Escolas, a Sociedade 2.30, uma campanha nacional no terreno, especiais eleições e terreno, especiais eleições e outras iniciativas. Já começámos a replicar alguns destes projetos em Moçambique e o nosso objetivo é expandirmos para muitos mais países, criando uma rede internacional chamada Democracia 2.3.

Viagens pelos distritos no âmbito do projeto "Os230". Créditos: Os230


Até agora, qual foi a iniciativa de Os 230 que mais te entusiasmou.

Durante o verão de 2021, realizámos uma campanha nacional de participação cívica com uma viagem de 18 dias pelos 18 distritos, fazendo um retrato do nosso país e do estado da nossa democracia. Foi uma viagem intensa, com atividades planeadas em todos os distritos, com o apoio de organizações e jovens locais, bem como dos voluntários da nossa equipa espalhados pelo país. Muito foi também improviso, e eu e o Tiago Guerreiro, que tem um grande talento e brio no que faz, vivemos muitas aventura. Aprendemos muito sobre a nossa pátria e os nossos concidadãos. Agora faltam as ilhas e a nossa diáspora.


Os 230 já entrevistaram dezenas de deputados da Assembleia da República… Os políticos são todos iguais como diz o ditado popular?

Essa é uma das mensagens que tentamos passar, claro que não são todos iguais.


Confesso que achava que grande parte tinha um percurso semelhante, começando cedo nas juventudes partidárias e contactando ao longo do tempo com a política nacional, mas surpreendi-me. Uma parte significativa dos deputados vêm da política local e foram sugeridos pelas suas concelhias para integrar as listas do seu círculo, depois de desempenharem funções autárquicas.


Conseguir falar com pessoas tão diferentes, que pensam de maneiras às vezes oposta é algo que nos faz abandonar qualquer bolha. Além de diferentes ideias são pessoas com as suas vidas fora da política, com diferentes objetivos e sobretudo com diferentes percursos e maneiras de ser.


Por muitas bolhas que existam é perigoso tomar todos por iguais, porque se a adjetivação é pejorativa, ninguém com bom senso, por muito bom que seja, se vai sujeitar a esse rótulo. Mesmo se acharmos que são quase todos maus, então não afastemos os bons de querer substituir os maus. A política não pode ser vista de uma lógica maniqueísta.


Qual é o político que gostaste mais de entrevistar?

É uma pergunta que me fazem recorrentemente, mas sinceramente não tenho uma resposta na ponta da língua. São tantos nomes e histórias. Por exemplo, gostei muito de conhecer o Tino de Rans e as suas muitas lições de vida, é uma pessoa com sentido de compromisso enorme. A entrevista ao Cotrim Figueiredo é marcante não só por ter sido o primeiro, mas também por ser uma pessoa com uma boa disposição contagiante, os anteriores vices Fernando Negrão e José Manuel Pureza que têm muito mundo, o Sérgio Sousa Pinto que cria um grande estímulo intelectual e que se sente que é bastante respeitado pelos deputados da comissão que preside.


Na minha cabeça associo sempre os deputados a uma história, à sua terra ou a algo particular. A Catarina Martins adora sopa, o André Pinotes Batista e-games, lembro-me que o Luís Graça veio a pé da fundação Saramago, o Pedro do Carmo tinha acabado de soltar um Lynce, a Romualda Fernandes tem uma história muito bonita do pai, o Luís Monteiro talvez a melhor história de primeiro dia na Assembleia, o Pompeu Martins contou-me a história da justiça de Fafe, o Duarte Pacheco além de ter vivido muito fases diferentes do Parlamento, é Presidente da União Interparlamentar, algo importante para Portugal. A Joacine Katar Moreira e Gabriel Mithá Ribeiro, pessoas que pensam de forma completamente diferente e as duas foram conversas muito interessantes. Poderia ficar umas boas horas nesse processo de reflexão.


Qual tem sido o feedback da comunidade política acerca deste projeto?

Até agora tem sido bastante positivo. Por enquanto não tivemos ninguém a negar uma entrevista, a nossa isenção e postura também ajuda a isso.

Temos sentido muito o reconhecimento do nosso trabalho pela grande generalidade, sentem que o trabalho que tem sido feito é importante para a nossa democracia. Normalmente gostamos de conversar sobre estes assuntos depois de gravar, e sentimos que há um interesse genuíno em também nos ouvirem e curiosidade.


Se fosses um decisor político que medidas adoptarias para credibilizar o sistema político aos olhos do povo e melhorar a qualidade da nossa democracia?

A mudança mais do que por medidas, dá-se pela forma como são implementadas. As medidas às vezes são utilizadas como bandeiras que não são desfraldadas, mas sim defraudadas. Acabam por ser promessas que mesmo que aprovadas, poucas vezes se afere o seu impacto.


Em primeiro lugar, acho que passa mesmo por uma mudança de mentalidade. Já cansa o discurso de que a política é um meio sujo. Se é um meio sujo, do qual sempre dependeremos, teremos que assumir a responsabilidade de o limpar. Importa discutir como fazê-lo sem delegar essa função a soluções ditas milagrosas que nos criarão maiores problemas a médio prazo.


Há que efetivamente perceber que a responsabilidade cívica tem de ter um papel central. Precisamos, como comunidade, de ter uma participação ativa e informada. Por isso é que quando andávamos pelo país levámos às costas uma pergunta: “e tu, o que fazes pela nossa democracia?”.


Mudar o sistema eleitoral seria importante. Saber que muitos votos são desconsiderados em vários círculos com menos mandatos por atribuir, por não termos um ciclo de compensação regional é desconcertante.

Temos de saber a usar a tecnologia. Os meios digitais podem fomentar a consistência da participação. Sem entrar numa lógica de desresponsabilização dos agentes políticos, a tecnologia pode aumentar a transparência e clareza dos procedimentos públicos, não camuflando más práticas com excesso de informação supérflua, e diminuir burocracia. É engraçado que a burocracia aparece para evitar corrupção, e o excesso de burocracia incentiva exatamente a corrupção, porque quem complica é quem facilita em troca de contrapartidas.


Sentes que, ao contrário de ti e da equipa de Os 230, os mais jovens se têm vindo a afastar cada vez mais da política?

Não, de todo. Acho que a tendência será sempre de dizer que a geração seguinte é menos interessada e normalmente não é verdade.


Acho que os jovens encontram, e bem, novas formas de participação em estruturas menos rígidas. Da mesma forma que atualmente grande parte dos jovens não têm aquela ideia de um emprego para a vida, não gostam de se vincular a algo com que não se identifiquem totalmente ou que não lhes estimule a liberdade de pensamento e ação.


A nossa equipa é um exemplo disso. Temos pessoas que nem sequer votavam e que agora sacrificam do seu tempo para incentivar a participação cívica.


Há muitos jovens por aí com projetos incríveis de âmbito local e nacional que com garra enfrentam desafios enormes, sem vitimização ou autoflagelação. Esta geração daqui a uns anos deixa de ser jovem, foi assim com as outras, será assim com as próximas. Somos passageiros e simultaneamente condutores do nosso trilho.

Se deixarmos de tratar os jovens de forma condescendente, olhando mais para a competência e potencial do que para a idade em si, talvez tenhamos instituições e empresas mais frescas a projetar o nosso país. O ser humano cresce com as responsabilidades que lhe são dadas, a ideia de não atribuir responsabilidades por uma dita falta de maturidade, ignora que a maturidade se adquire dessa forma. Volto a bater nesta tecla, isto não é dizer que os jovens devem ser postos em determinadas posições só por serem jovens, não podem é ser desconsiderados pela sua idade.


Como vês a democracia participativa em Portugal? Estamos num bom caminho, ou ainda temos um longo percurso a percorrer para atingir os níveis de países de referência nesta matéria?

Consagrámos o “aprofundamento da democracia participativa” e temos enquanto país o desafio constante de provar que não é letra morta. Ao longo dos anos foram criados vários mecanismos que permitem uma maior participação dos cidadãos, desde os orçamentos participativos, referendos locais, iniciativas legislativas de cidadãos, o direto de petição, etc.


Para mim o passo mais importante foi o de abrir as eleições autárquicas a movimentos independentes e limitar o número de mandatos. Passámos a ter grupos de cidadãos que estando inconformados com o estado da sua freguesia e concelho se podem chegar à frente sem estarem dependentes de partidos. Na prática o que se nota é que muitos desses movimentos não são compostos por novas pessoas que se juntaram à ação política pública, mas pessoas que se afastaram ou foram afastados do seu anterior partido por desacordo, o que não deixa de trazer mais liberdade e autonomia.


A democracia, tal como a política que a salvaguarda, é complexa e trabalhosa. Não existem soluções padrão para um governo de uma sociedade, no entanto existem formas de maturação democrática que fazem evidenciar que sistemas fechados afastam sentimento de pertença e desmotivam os seus intervenientes.


Cabe ao poder político, incluindo ao legislador, assumir abertamente o desígnio constitucional imposto, e igualmente à sociedade não conformista a promoção do escrutínio, transparência e responsabilidade, não se negando nem sonegando as suas funções e o desafio imposto. Uma constituição que cresceu com cravos, não pode hoje viver encravada, quando há imposições claras, e vantajosas para a sociedade atual, a cumprir.


Para ti quais são os 3 país mais avançados do mundo, no que diz respeito à qualidade do seu sistema político?

Sinto-me tentado a dizer os países nórdicos, mas ao mesmo tempo frustrado por ainda não os ter visitado. Imagino que a Dinamarca não seja governada pela Birgitte Nyborg, mas há outras Mulheres e Homens mais reais de elevado valor nestes países, que com sociedades civis fortes justificam bons índices em muitos rankings.


Contudo, não suporto a ideia do papel do monarca, mesmo que figurativo, vai contra o que acredito: a meritocracia e a igualdade de oportunidades que deve reger uma sociedade.


O sistema político português, apesar de se discordar na sua definição terminológica, acho que é um sistema bastante equilibrado. Protegemos a figura de unidade do Presidente da República não lhe dando muito poder, mas não o reduzindo a um papel cerimonial. Simultaneamente, garantimos que o governo sofre o escrutínio deste, como também do parlamento.

Entrevistas com Deputados no âmbito do Projeto "Os230" - João Ferreira, Romulda Ferreira e André Coelho Lima. Créditos: Os230


A equipa d’Os 230 cresceu bastante! Fala-nos sobre este crescimento e da equipa que te acompanha? Continuam a recrutar novos colaboradores?

Como o projeto alcançou um rápido mediatismo após a sua fundação, conseguimos alargar rapidamente a nossa equipa e a nossa atuação. Em pouco tempo, fixámo-nos em 50 voluntários divididos por 8 departamentos de suporte e intervenção.


Continuamos a lançar ciclos de recrutamento, para renovarmos a equipa e expandirmos a nossa atuação. Queremos que isto seja um projeto que ainda esteja de pé daqui a várias décadas, mas que seja muito mais do que é hoje.


Sabemos que têm ido às escolas para sensibilizar os mais jovens acerca da importância da participação política a todos os níveis. É uma iniciativa ambiciosa…

A nossa aposta nas escolas é talvez a mais importante. Desde o início que sabíamos que era um passo que teríamos de dar para ter resultados mais estruturais.


Tivemos logo vários convites para ir falar a escolas nos primeiros meses, e ficou claro que com a nossa dimensão não conseguiríamos chegar a todas. A lógica seguida foi: isto é importante para os jovens alunos, que se começarem a sentir o seu sentido crítico a ser estimulado mais cedo e a adquirirem ferramentas para a sua participação, sem qualquer tipo de doutrinação, vão-se tornar cidadãos mais ativos.


De que forma este projeto tem contribuído para o combate à abstenção e à necessidade de uma participação política dos jovens?

A nossa lógica é pragmática, os nossos vários projetos querem mais que discutir problemas, ajudar a resolvê-los, mas sem alguma prepotência.


Temos pessoas na nossa equipa que não votavam e que agora são voluntárias, abdicando do seu tempo para fomentarem a participação de todos. São um bom exemplo de que é preciso arranjar outra perspetiva de olhar a participação, sentiram-se cativadas por ser algo diferente e algo que têm liberdade para fazer acontecer.


Queremos mesmo mudar mentalidades e reforçar o sentimento de pertença, por isso é que não nos ficamos só pelo Parlamento, queremos chegar onde ainda não estamos.


Realizam as I Jornadas de Literacia Política e Democrática? Queres falar um pouco sobre esta iniciativa?

As jornadas de Literacia Política e Democrática são um evento que pretende capacitar os participantes não só com conhecimento político, mas também com ferramentas para que possam expandir e partilhar esse mesmo conhecimento com mais cidadãos, nomeadamente mais jovens nas escolas, ou através de outras iniciativas.


Tiveram lugar no dia 11 de Março no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, contando com o apoio institucional da mesma, do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, do Instituto Português do Desporto e Juventude e do Centro de Juventude de Lisboa.


Nesta primeira edição contámos com professores que falaram sobre a nossa constituição, o Estado e Administração Pública, União Europeia, Direitos Humanos e Sistema Político, com jovens ativos sobre participação cívica, deputados sobre o papel da democracia representativa, a Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares sobre o funcionamento do Governo e uma mensagem à distância do Presidente da República.


Estão presentes nas redes sociais e têm uma página web. Qual é o público que vos segue mais?

Temos o nosso site (www.os230.pt) e estamos presentes em quase todas as redes. Por acaso não estamos no Tiktok, mas não é por estarmos a seguir diretrizes internacionais.


Queremos chegar a todos os portugueses, e por isso também estamos a tentar que os nossos conteúdos cheguem a outros meios, mas essencialmente os nossos seguidores têm sido jovens. No Instagram e no Youtube, por exemplo, metade tem entre 25 e 34 anos e um terço entre os 18 e 24.


No vosso site têm uma secção dedicada à Sociedade 2:30. Podes-nos explicar o conceito?

A Sociedade 2.30 nasce com a importância de demonstrar que a política é de todos, não é, ou não pode ser, detida por apenas alguns setores da sociedade. Queremos ouvir especialistas e personalidades de várias áreas em cerca de 2minutos e 30 segundos sobre temas a que se associem, de forma a promover um conhecimento transversal por toda a comunidade, e perceber de que modo a responsabilidade cívica também está presente nas suas vidas. Além disso, será também uma boa oportunidade de darmos voz a muitos cidadãos competentes de várias gerações e de promover conexões entre a sociedade civil.


Precisamos de uma sociedade civil forte, coesa e dinâmica.


Para além de Os 230 quem é o Francisco Cordeiro de Araújo? O que fazes profissionalmente? Quais são os teus passatempos? O que mais te apaixona? E quais são as tuas ambições?

Considero-me um Empreendedor Cívico.


É sempre difícil definirmo-nos, preferirmos normalmente deixar esse trabalho para os outros. No outro dia dei por mim a pensar nisso, porque muitas vezes confundimos o que somos com o que fazemos. E estas duas palavras, que confirmei no Google serem utilizadas conjuntamente, correspondem ao que sinto que sou, um conceito que sendo parte da minha identidade influencia a minha atuação.


Tento abraçar várias missões. Além de Presidente da Democracia 2.3 e Fundador da Os 230, sou membro do Lidera, uma comunidade de jovens com foco na ação climática, e dou por mim a ser orador em sessões de diversa natureza.


Estas experiências têm moldado a minha maneira de ser e fizeram-me crescer bastante. Nos últimos anos, fui Presidente da ELSA Portugal, uma associação que me deu muito mundo, grandes amigos lá fora e o compromisso com uma visão humana única.


Coordenei durante dois meses e meio as operações do projeto Cama Solidária que prestou ajuda aos hospitais durante a pior vaga de COVID-19 em Portugal, participei na COP 26 Glasgow e fui voluntário na Ucrânia e na sua fronteira em 2022, prestando apoio humanitário com a Cruz Vermelha e outras organizações, todas experiências que me marcaram bastante.


Cresci nos Açores, na Ilha Terceira, e por isso sinto-me Açoriano, é uma paz de espírito que me preenche, aquela terra tem algo de especial e é parte de mim. Depois estudei durante 8 anos no Colégio Militar, aprendendo importantes valores que ainda hoje são a minha bússola.


Profissionalmente, sou Assistente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Sou também investigador, estando atualmente a escrever a minha dissertação sobre o reconhecimento do direito humano ao ambiente e as suas repercussões.


Sobre o futuro: quero continuar a viver intensamente. A vida é curta demais para não ser vivida.

"A nossa missão é contribuir para o desenvolvimento da democracia portuguesa com isenção e pragmatismo." Francisco Cordeiro de Araújo

Leia aqui a Revista completa - https://www.aquihafuturo.pt/revista

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