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Donaldmania: Trump no Reino da Fezada (Parte III)

(Leia aqui a Parte I e a Parte II do ensaio)


A globalização, assente no comércio livre, permitiu a emergência e consolidação de novas potências económicas, sendo a China o exemplo mais evidente. Beneficiando das cadeias de valor globais, da transferência de tecnologia e da liberalização de investimento estrangeiro, Pequim tornou-se a fábrica do mundo.


Tudo isto era aceitável até que a China paulatina, mas consistentemente, começou a converter a sua economia de um modelo de produção de bens de baixo valor acrescentado, para um paradigma de inovação e desenvolvimento tecnológico capaz de ombrear com o que de melhor se faz em qualquer parte do mundo. Inclusive a nível militar.

Trump e a sua administração, entendem isto não como um desafio económico, mas como uma ameaça à supremacia política e económica dos Estados Unidos no xadrez global.


Como tal, o verdadeiro objetivo da política comercial de Trump talvez não seja proteger a indústria americana ou corrigir os desequilíbrios da globalização, antes criar instabilidade nos motores económicos dos seus rivais e assim quebrar a lógica que permitiu à China e a outras economias emergentes singrar.


Ao impor tarifas de forma unilateral, os Estados Unidos sinalizam ao mundo que estão dispostos a abdicar das regras que eles próprios ajudaram em nome de uma superioridade ilusória que já não se traduz nem em hegemonia económica, nem em liderança moral.


De facto, a retórica do confronto pode mobilizar votos e alimentar mitos nacionais, mas por si só não é geradora de riqueza. E muito menos constrói pontes num mundo cada vez mais multipolar. Para além disso há um risco enorme neste tipo de estratégia: num mundo onde impera a desconfiança, o comércio “morre”. E com ele, morrem os estímulos à competitividade e inovação.


Neste prisma, o isolacionismo não é uma fortaleza, é mais uma prisão.


É inegável que a globalização tem custos e seria desonesto ignorá-los. Entre os mais significativos estão a desindustrialização sentida em muitas economias ocidentais, com impacto diretos no emprego e no tecido social; o agravamento das desigualdades internas, com a concentração da riqueza nas grandes áreas urbanas e tecnológicas; e a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento globais, como constatámos durante a pandemia.


Este é um trade-off que, com tempo, temos que conseguir colmatar, mas seria ainda mais desonesto esquecer os benefícios profundamente transformadores da globalização que retiraram milhões de pessoas da pobreza extrema; permitiram o acesso global a medicamentos, tecnologia e conhecimento; e contribuíram de forma indelével para a expansão dos padrões de vida, educação e consumo em praticamente todas as latitudes do nosso planeta.


A questão de fundo não é, portanto, escolher entre globalização ou protecionismo. Isso seria o mesmo que escolher entre a democracia e um regime ditatorial. O desafio está em encontrar uma fórmula que nos permita conduzir a globalização com inteligência, sentido de justiça e visão estratégia, reconhecendo as vantagens comparativas de cada economia e promovendo uma lógica de cooperação e interdependência que tem sido, e continuará a ser, o principal pilar de desenvolvimento.


Esta é outra das teorias que Donald Trump parece desconhecer. A teoria das vantagens comparativas, desenvolvida por David Ricardo no início do século XIX, demonstra que dois países podem beneficiar do comércio internacional mesmo quando um deles é mais eficiente na produção de todos os bens.


O ponto central não está na eficiência absoluta, antes na eficiência relativa. Diz esta teoria que um país deve especializar-se na produção dos bens em que é mais produtivo (e tem menor custo de oportunidade). Ou seja, naquele em que tem uma vantagem comparativa que pode desenvolver e explorar no sistema global.


Este princípio permite uma alocação mais eficiente dos recursos a nível global, aumentando a produtividade total e beneficiando todos os parceiros comerciais. Esta lógica não é ideológica, é económica, é racional e é mensurável.


Ao integrarem cadeias de produção de escala planetária, os países em desenvolvimento ganham acesso a know-how, tecnologia, capital e escala produtiva o que lhes permite saltar etapas no processo de industrialização e desenvolvimento das suas economias. Por sua vez, as economias mais avançadas beneficiam da especialização em setores de elevado valor acrescentado, cadeias de valor eficientes e acesso a novos mercados, e da importação de bens a preço mais baixos.


Esta dinâmica resulta no aumento da rendibilidade das empresas, estímulos à competitividade e à inovação, e numa redução significativa do custo de vida, em particular para as classes média e trabalhadora.


A realidade é clara: o comércio livre, quando regulado com justiça e estratégia, continuará a ser o maior motor de desenvolvimento da história.


Por isso o erro de Trump não está em querer proteger os Estados Unidos da América. Está em fazê-lo contra os aliados e o seu próprio povo. Está em fazê-lo à custa da racionalidade económica, da cooperação internacional, e ao não compreender que um mundo baseado na reciprocidade, na especialização e na confiança mútua é mais estável, mais próspero e mais justo.


Substituir esta leitura da realidade por outro em que impera o sentimento do “orgulhosamente sós” é ceder ao perigoso conforto da ignorância, recuar no tempo e dar ainda mais oportunidade a países como a China colocarem em marcha um plano intergeracional e de ser afirmarem como potências incontornáveis no contexto internacional.

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