No passado dia 24 de fevereiro de 2023 organizámos uma visita ao Parlamento para assistir ao debate sobre a situação da Ucrânia, promovido pelo Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva. Foi este que introduziu o debate, salientando que “quando uma das partes provoca a guerra, agredindo militarmente a outra parte, esta tem não só o direito como o dever de se defender pelas armas; nós queremos a paz para a Ucrânia; a paz passa pelo fim da agressão russa, e pela retirada incondicional das forças ocupantes do território ucraniano”.
Passando à fase do debate, a palavra foi dada ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho. Este destacou o apoio de Portugal aos refugiados ucranianos, “tendo Portugal recebido até à data quase 60 000 pedidos de proteção temporária; a esses ucranianos, que encontraram refúgio em Portugal, quero dizer muito singelamente que são bem-vindos entre nós, o tempo que for necessário, até que possam retomar as suas vidas na Ucrânia”.
Seguiu-se uma intervenção do deputado Sérgio Sousa Pinto, em nome do PS, que teve o mérito de ser uma das mais eloquentes da sessão. Invocando a experiência do passado na Europa, recordou o Outono de 1938, quando o exército alemão se concentrou na fronteira entre a Alemanha da Checoslováquia: “6 meses depois, a Checoslováquia tinha deixado de existir; as democracias europeias da época entregaram a Checoslováquia ao agressor; julgavam assim servir a causa da paz, sacrificando quem queria defender-se e lutar pelo seu direito a existir; o resultado foi a reversão da ordem internacional pela força, e uma guerra inimaginável”. A Ucrânia não pode perecer “como a Checoslováquia pereceu”.
Para intervir em nome do PSD, o primeiro a ter a palavra foi Joaquim Miranda Sarmento. Num breve discurso assente no conceito de solidariedade, destacou “a forma unida como a Europa tem respondido no apoio à Ucrânia”, e recordou “que é à diplomacia que compete resolver conflitos, e não à guerra”.
O deputado Diogo Pacheco de Amorim, do Chega, destacou o “valor das nações, das suas raízes, e das suas fronteiras” e deixou uma homenagem aos soldados anónimos que defendem as fronteiras da Ucrânia.
O deputado Rodrigo Saraiva, da IL, optou por uma homenagem direta ao Presidente da Ucrânia, afirmou que a causa dos ucranianos “é também a nossa causa”, e apontou a contradição de “forças políticas que se dizem defensoras da paz, enquanto justificam a guerra de agressão desencadeada pela Rússia”.
Da parte do PCP, o deputado Bruno Dias teve uma intervenção em dissonância com os restantes grupos parlamentares, acusando “as grandes empresas” de múltiplos setores de acumularem lucro “com a confrontação, com a guerra, com a corrida armamentista, com as sanções”. “É urgente parar a política de instigação de confronto”, apelando a que “Estados Unidos, NATO e União Europeia cessem de instigar e alimentar a guerra na Ucrânia”, o que arrancou os primeiros protestos ruidosos das bancadas.
Em seguida, foi dada a palavra ao deputado Rui Tavares, do Livre, que dispunha apenas de um minuto para intervir. Contudo, numa comunicação de extrema eficácia, foi direto ao assunto: “Putin para quando for parado”.
A deputada Inês Sousa Real, em nome do PAN, fez uma intervenção onde destacou as “atrocidades”, os “atos genocidas”, “os atos de violência sexual”, os “atos de tortura”, e o “ecocídio, com dezenas de milhares de hectares de floresta ardida”, e “a morte de milhões de animais”. Referiu que estes atos “devem ser investigados, julgados e devidamente punidos”.
Seguiu-se a segunda intervenção do PSD, pelo deputado Tiago Moreira de Sá. Este distinguiu três formas de ver o mundo: o mundo de Thomas Hobbes, em que a justiça é sinónimo de força bruta; o mundo de Hugo Grócio, onde as relações entre os Estados são reguladas pelo direito internacional; e o mundo de Immanuel Kant, onde existe uma paz democrática, perpétua e global. À luz desta distinção, Tiago Moreira de Sá demonstrou de forma elucidativa como as ações do regime russo são “uma desconsideração completa das normas, leis, instituições e valores internacionais mais elementares”, um autoritarismo “antitético da conceção de civilização das democracias”. Este discurso foi bastante aplaudido.
Numa segunda intervenção da IL, a deputada Patrícia Gil Vaz voltou a elogiar o heroísmo do Presidente da Ucrânia e da “resistência ucraniana”, sem esquecer que os próprios russos estão “cada vez mais oprimidos e esmagados pelas consequências da guerra”. Defendeu a “cooperação global contra ameaças comuns”, e a necessidade de “vencer a barbárie”.
Em nome do BE, o deputado Pedro Filipe Soares também começou por classificar a guerra como uma “barbárie”, mas apontou o dedo tanto ao “belicismo imperialista” da Rússia, como ao “militarismo” da NATO. Terminou com um apelo à paz, mas sem apresentar qualquer plano para a concretizar.
Pelo PCP, a deputada Paula Santos tentou um apelo ainda mais emotivo a um conceito de paz baseado no pressuposto que, se baixássemos os braços, tudo ficaria resolvido. Com o mote “para onde nos querem empurrar”, encenou um discurso cuja implicação subjacente seria fechar os olhos à agressão continuada da qual a Ucrânia está a ser alvo.
Numa terceira intervenção da IL, o deputado Rui Rocha recuperou o sentido moral da discussão. Começando por dizer que “temos que ganhar também a batalha das palavras”, fez uma descrição dos factos com clareza e frontalidade, distinguindo a posição “daqueles que condenam veementemente a Rússia, e daqueles que invocam a paz, mas tudo que querem é cedência parcial ou total”.
Pelo Chega, o deputado André Ventura recuperou a mesma ideia, dizendo que “aqueles que, sobre um falso pacifismo qualquer, querem fingir que devemos entregar partes do território ao agressor, estão do lado errado da história”. Defendeu ainda a integração da Ucrânia na União Europeia.
A terceira intervenção do PSD ficou a cargo de Ricardo Baptista Leite. Da sua experiência de médico e da visita à Ucrânia, descreveu os horrores a que as mulheres ucranianas estão sujeitas neste conflito, com exemplos de vários casos reais. Não foi um discurso fácil de ouvir, mas foi um discurso muito necessário. Ricardo Baptista Leite pôs o dedo na ferida e cumpriu um dos desígnios do PSD - o desígnio de apelar à consciência e de defender a dignidade humana. Terminou dizendo que “não podemos aceitar outro cenário que não seja a recuperação integral do território da Ucrânia; hoje, os ucranianos estão a lutar pela liberdade, pela democracia, e também pelos valores europeus; na realidade, as forças ucranianas estão a lutar por todos nós”.
Para uma segunda intervenção do PS, foi chamado o deputado Eurico Brilhante Dias. Por comparação com os discursos precedentes, este limitou-se a reiterar um conjunto de generalidades e factos bem conhecidos. Talvez a passagem mais relevante tenha sido a citação de Robert Schuman: “a paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços à medida dos perigos que a ameaçam”.
Para encerrar o debate em nome do governo, foi dada a palavra ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho. Este agradeceu de forma construtiva as intervenções de todos os grupos parlamentares, exceto no caso do PCP, em que salientou “fundamentais divergências” e concluiu que “é profundamente minoritária a franja de população portuguesa que recusa a devida solidariedade à Ucrânia”.
Terminou dizendo que “é muito reconfortante verificar que a condução da nossa política externa, em relação a esta trágica guerra, assenta num respaldo tão amplo nesta casa representativa da democracia portuguesa”.
Diogo Ribeiro
Docente universitário
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