Já não é novidade que a transição digital abre potencialidades que nem sempre a sociedade consegue explorar. Nesse aspeto, há que reconhecer que a pandemia se revelou o grande catalisador da adoção de ferramentas que permitem o trabalho remoto. Onde antes o trabalho remoto era encarado como um delírio, hoje reconhece-se a sua centralidade para a sobrevivência de muitas empresas e postos de trabalho.
As condições técnicas estavam presentes em muitos locais, embora usadas muito abaixo das suas potencialidades, e a situação sem precedentes causada pela COVID-19 obrigou-nos a olhá-las de novas perspetivas.
A esta mudança também não é alheia a difusão de uma cultura empresarial muito influenciada por Sillicon Valley e pelo apetite e entusiasmo pelo empreendedorismo em versão startup. As gerações recém-formadas encontram, em muitos casos, um mercado de trabalho que não corresponde às suas expectativas, antiquado e, até, entrincheirado em formas de trabalhar desligadas do nosso tempo. Isto leva-os a não ter pruridos em olhar além-fronteiras em busca de ambientes e equilíbrios entre trabalho e vida pessoal que se ajustem melhor ao que já sabem que existe – e com a possibilidade de trabalhar para empresas estrangeiras, melhor remunerados, sem sair de Portugal. Como alguém disse, “o problema da qualidade é conhecê-la” e, sem acompanhar as novas formas de trabalhar, torna-se cada vez mais difícil a captação e retenção de talento.
Depois de tão grande choque cultural, o paradigma do mercado de trabalho mudou radical e definitivamente, embora o ponto de equilíbrio ainda esteja a ser afinado.
Em muitas organizações a forma como se trabalha ganhou contornos dinâmicos, mais responsabilizantes de toda a estrutura, com foco nas tarefas a desempenhar em vez do número de horas de presença.
Assistimos, por exemplo, à mudança em grandes empresas, com a desocupação de edifícios de escritórios nos grandes centros urbanos em prol de abordagens flexíveis ao local e método de trabalho.
Opta-se por manter apenas instalações centrais para os momentos de presença imprescindível a cada equipa, e diversificar no território as opções de local de trabalho, permitindo uma deslocação menor e maior qualidade de vida dos colaboradores. O modelo de trabalho, além de híbrido no tempo e no espaço, tornou-se dinâmico, flexível e temos uma oportunidade de ouro para que se torne cada vez mais capaz de acomodar a vida real de cada um.
Descentrar a urbe:
Um estudo publicado em Fevereiro de 2022 (Location of Coworking Spaces (CWSs) Regarding Vicinity, Land Use and Points of Interest (POIs), mostra claramente as vantagens dos espaços de coworking quando enquadrados com os diversos pontos de interesse necessários à vida diária das pessoas – escolas, comércio, estações de redes de transportes, etc.
Permitem criar novas centralidades, fixando as populações e os seus rendimentos em espaços onde antes apenas se dormia, na melhor das hipóteses.
Isto vem também possibilitar a retenção e aplicação de talento em territórios onde este, quando muito, apenas residia. Daqui decorrerão toda uma série de efeitos em rede, potenciando a criação de novos negócios, vida social e competitividade destas localidades. Estas novas microcentralidades poderão tornar-se diferenciadas e apetecíveis não apenas pela sua anterior ligação aos grandes centros urbanos, mas pelo seu valor intrínseco já que a colaboração profissional passa a ser possível a partir de qualquer lugar.
Isto permitirá o desenvolvimento de uma rede de comércio e serviços locais, adequada a uma população fixada e empenhada na sua comunidade.
A grande redução de movimentos pendulares também pode acarretar vantagens significativas. Obviamente em termos ambientais, por diminuição das deslocações e consequentes emissões poluentes, mas também em tempo perdido nestas, seu emprego em atividades mais relevantes para as vidas pessoais e profissionais de cada um. Outro ganho colateral poderá ser o descongestionamento de grandes cidades, e uma maior harmonização de carga na rede de transportes existente.
Para diversas empresas esta opção pode, ainda, revelar-se uma excelente forma de reter talento. Há todo o potencial para melhorar a remuneração por via da diminuição dos gastos dos colaboradores para ir trabalhar e um aumento real do seu tempo pessoal disponível. Mais ainda, as práticas de gestão terão que evoluir para uma gestão autonomizadora do colaborador, centrada em tarefas e processos em vez do tempo de presença como era prática no séc. XX.
Para as autarquias locais esta é uma ferramenta poderosa no planeamento do seu território.
É possível uma abordagem holística às comunidades, por oposição à política dos bairros sociais de há umas décadas.
A integração de todos os estratos sociais no mesmo território é possível e desejável, com os diversos serviços necessários nestas micro-centralidades. E isso permite um contacto diário, concreto, direto e pessoal entre as diversas pessoas que compõem a comunidade.
Este fator permite criar uma nova coesão social. Permite que as agremiações locais, as festividades, os clubes desportivos e outras manifestações comunitárias ressurjam com ímpeto renovado e haja população local que os corporiza. E permite, se articulado com uma política nacional eficaz, a atração de novas populações para conselhos desertificados, revigorando o território e potenciando os seus valores únicos e diferenciados.
Esta é uma visão possível do futuro, e os espaços de coworking são uma ferramenta que nos pode ajudar a chegar lá. Está ao alcance dos decisores o seu bom uso ao serviço desta visão de um futuro melhor para mais gente, distribuída pelo território. Temos em mãos a oportunidade de criar novas centralidades com maior foco na pessoa, na sua realização e qualidade de vida de forma sustentável.
O PSD tem de assumir a liderança nesta missão.
João Moreira Pires
Gestor
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