top of page

Entrevista a Conceição Monteiro

"Éramos quase todos voluntários, com uma vontade e uma garra de implantar o partido no país inteiro."

Conceição Monteiro durante a entrevista que decorreu no início do mês de janeiro de 2023. Créditos: Aqui há Futuro!


Numa entrevista contou que a sua primeira interação com o partido foi de balde e esfregona na mão. Sente que se perdeu um pouco esse voluntarismo?

Sem dúvida nenhuma. Trabalhávamos com paixão pelo nosso trabalho e as vinte e quatro horas pareciam curtas para tudo o que queríamos fazer. Hoje em dia a política é mais um emprego como outro qualquer. Nesse primeiro ano de implantação éramos quase todos voluntários, e todos com uma vontade, uma garra de implantar o partido no país inteiro. Foi um ano que rendeu ao PSD nas eleições de 1975 um resultado fantástico para um partido que tinha nascido depois do 25 de Abril e que não estava já enraizado, como estavam o Partido Socialista e o Partido Comunista, que já estavam a funcionar antes da revolução.

Edifício no largo do rato onde se localizava a sede do PSD. Créditos: Aqui há Futuro!


Perdeu-se essa paixão, essa adesão à política por causas maiores?

Sim, essa paixão foi-se perdendo, mas também depende muito dos dirigentes. A direção nacional é muito responsável pela mobilização ou desmobilização do partido.


Lembra-se do primeiro apelo para aderir ao PSD?

Quando se deu o 25 de Abril, houve uma entrevista na RTP ao Dr. Francisco Sá Carneiro, cuja fama eu já conhecia da ala liberal e dos escritos no Expresso. Eu pessoalmente não o conhecia, mas ouvi aquela entrevista e lembro-me de dizer lá em casa: “Tudo o que este homem disse, é aquilo que eu quero para o meu país”.

E agarrei numa caneta e escrevi uma carta ao meu primo Francisco Balsemão a dizer: “Se o seu amigo Francisco Sá Carneiro um dia criar um partido, diga que tem uma prima que tem o dia todo livre e que está à disposição”. E um dia cheguei a casa e tinha um recado do Francisco Balsemão a dizer: “Olha, amanhã às 15:00 entregam-nos as chaves de um sítio para nos instalarmos no Largo do Rato, atrás da esquadra da polícia”. Lá fui!


Entrámos e demos com um pandemónio. Aquilo tinha sido um ginásio da Legião Portuguesa, de maneira que os nossos bravos revolucionários entraram por ali dentro e partiram tudo, até o telefone!

Quando vi aquela porcaria, fui a casa buscar a minha Antonieta, as esfregonas, o balde, os trapos e viemos limpar, porque era impossível fazer ali fosse o que fosse. E foi assim que eu comecei.

Na altura o PSD fervilhava de boas vontades porque só havia voluntários, pessoas como o Pedro Temudo, o Marcelo... todos apareciam lá!


O Marcelo ainda hoje me chama avó, porque eu ralhava tanto com ele. “Você é tão rabugenta, parece a minha avó, vou-lhe chamar avó”. E há 48 anos que o Marcelo me trata por avó.

Uma assembleia de militantes do PPD-PSD em que Conceição Monteiro participava, juntamente com Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes. Créditos: Diário de Notícias


Ele era muito reivindicativo?

Ele era divertidíssimo. Por que é que eu ralhava com ele?! Porque ele marcava vários eventos no mesmo dia.


O Partido Social Democrata é mais PPD, mais PSD ou é uma mescla de ambos?

Acho que é uma mescla, mas o Dr. Sá Carneiro dizia sempre: “Somos social-democratas à portuguesa, adaptados àquilo que os portugueses são. E é muito importante conhecer bem os portugueses.”

Nunca poderíamos implantar o mesmo sistema que há na Noruega, Suécia ou na Finlândia, porque nós somos latinos.


Era fácil trabalhar com Francisco Sá Carneiro?

Muito fácil, era um ótimo patrão. Eu dizia: “Tenho o melhor patrão do mundo”. E ele respondia: “Eu não sou seu patrão. Aqui somos todos militantes, somos todos social-democratas”.

Fomos muito, muito amigos, fez-nos muita falta, sobretudo ao país.

Conceição Monteiro, Snu Abecassis, Francisco Sá Carneiro e Freitas de Amaral. Créditos: Inácio Ludgero


Que valores destacaria da personalidade de Sá Carneiro?

Era um bocadinho teimoso.


Era teimoso ou era determinado?

É isso, era determinado. Ele dizia assim: “Às vezes tenho razão um bocadinho antes de tempo...”. Nunca foi um homem que eu ouvisse levantar a voz. Podia ter a maior crise, sentir a maior mágoa, até porque foi muitas vezes traído dentro do próprio partido e nunca o vi levantar a voz. Algo que aprendi com o Francisco, que é importantíssimo na vida e sobretudo na política, é a coerência. Tem que se ser coerente.


Acha que ele teve o reconhecimento merecido?

Da parte do povo português, sem dúvida nenhuma. Da parte de muitas pessoas na política, de todo, porque era uma figura muito controversa e muito incómoda. Ele incomodava muita gente.


Nas últimas duas décadas Portugal tem vindo a afundar-se em praticamente todos os indicadores a nível europeu. Acredita que este retrocesso é fruto de uma menor qualidade dos políticos, ou trata-se de uma questão estrutural?

Aquilo que eu acho é que temos uma menor qualidade dos políticos. Se olharmos para as primeiras bancadas do PPD, a qualidade era uma coisa… Eram professores doutores, engenheiros, advogados, médicos, jornalistas… Essa gente estava toda sentada naquelas bancadas e vinham para a política já com a vida feita.

Hoje em dia, a maior parte dos que lá estão são um bocadinho carreiristas dentro dos próprios partidos e não conhecem a realidade dos problemas com que as pessoas se deparam no seu dia-a-dia.

Em Leiria, no Sabugal, em Aveiro… Não dizia que não a ninguém e depois não conseguia ir a todo o lado. E depois quem ouvia era eu, que era a telefonista! Mas havia um entusiasmo muito grande. Fomos muito felizes naquele barracão e foi lá que nasceu o cor-de-laranja.


Pode-nos falar desse simbolismo? Do cor-de-laranja… das setas?

As setas tiveram uma grande influência do Pedro Roseta. Eram o símbolo que os social-democratas utilizavam na Alemanha no combate ao Nazismo.

Do cor-de-laranja tenho muito orgulho porque fui eu que escolhi!

Era preciso fazer cartazes para anunciar as sessões de esclarecimento que andávamos a fazer por todo o país. Não havia dinheiro e cada um de nós pagava o que podia.

Um dos amigos do meu irmão tinha uma tipografia e eu telefonei-lhe e disse: “João, eras capaz de vir aqui ao Rato trazer-me umas cartolinas de várias cores para eu escolher?” Ele lá apareceu e colou uma em cada espaldar com fita cola. Começámos a olhar e a pensar: vermelho nem pensar, preto são os anarquistas, castanho era a Mocidade Portuguesa, cor-de-rosa era o PS, o azul era dos monárquicos… Eu só olhava para o laranja e pensei: disto tudo o que salta à vista é o laranja. Então disse: “Olha, vai ser laranja, vais fazer os cartazes em laranja! E assim ficou!


O que sente quando o PSD, em algumas campanhas, não utiliza o cor-de-laranja?

Fico tristíssima, dói-me cá dentro de uma maneira que não se pode imaginar.

E o hino do Partido?

É lindo! Nas eleições de 1991, a nossa sede de campanha era em frente onde agora é o El Corte Inglês. Eu era candidata a deputada mas deram-me por missão estar a orientar as saídas das caravanas.

Um dia aparece uma senhora já de idade, com um ar muito modesto e uma nota de 20 escudos na mão. Pensei que era um donativo para o partido e ela diz-me assim: "Minha senhora, eu não posso muito, mas trouxe aqui um dinheirinho para pedir se os meninos dos carros podiam passar todos os dias na minha rua. Isto é para pagar a gasolina porque a hora mais feliz do meu dia é ir à janela e dizer adeus àqueles meninos com as bandeiras e com a música”. Eu nunca esqueci aquela senhora e dei ordens para que qualquer trajeto passasse naquela rua.


Como é que acha que Sá Carneiro reagiria num contexto como aquele que estamos a viver, de elevada instabilidade e polémicas no governo?

A reação de Sá Carneiro seria dizer as verdades todas e fazer como ele fez com a moção de confiança pedida por Mário Soares, que foi votar contra e dizer: “Vamos para eleições!”. Ele foi para o Congresso, voltou, fez a AD, explicou-a num Conselho Nacional brilhante, foi a eleições e ganhámos. Hoje não conseguimos ter conselhos nacionais como nós tínhamos. Começavam sexta à tarde, duravam sábado todo o dia, domingo todo o dia e muitos de nós nem íamos à cama! E ninguém perdia o direito à palavra nem tinha o tempo contado. Não, não, o Francisco queria era saber o que é que cada um pensava, porque cada um vinha da sua terra e cada um tinha o seu problema.

Eu lembro-me que o comunicado final era esperado com ansiedade, porque era uma lição de política e de estratégia para o partido nos próximos 3 meses.


Acredita que há falta de debate político interno não só no PSD, mas também nos outros partidos?

Eu acho que sim. Está ali tudo muito como as viseiras dos cavalos. O caminho está sempre certo e não veem nada para os lados.


Acredita que essas divergência de opiniões eram salutares para que o partido permanentemente se reinventasse e fosse mais ambicioso, que fosse ao encontro daquilo que o povo queria?

Certamente que sim. Nas secções haviam também facões. Eu fui presidente da Secção F de Lisboa e tínhamos listas opositoras para os órgãos da secção. Aquilo era a sério!


No seu entender isso é positivo ou prejudicial?

É sempre positivo porque da discussão nasce a luz! Se o Francisco fosse vivo ele nunca teria falado no politicamente correto e na zona de conforto. Zona de conforto nunca tivemos, e ele era um “inconfortável” porque estava sempre a querer mais e melhor.


O politicamente correto tem contribuído para degradar a qualidade da democracia?

Completamente. Então as pessoas estão a pensar numa coisa e estão a dizer outra? Às vezes vejo votações do meu partido e digo: “Meu Deus, como é possível votar a favor ou contra uma coisa destas? O Francisco deve estar a dar uma volta. Isto é uma falta de coerência do PSD…”.


Quem foi para si o melhor Primeiro-Ministro Portugal?

Para mim nem vale a pena perguntar, foi o Francisco Sá Carneiro, sem dúvida nenhuma!


E o pior?

O Sócrates. Deu cabo de nós!


Qual foi o mais incompreendido?

O mais incompreendido foi o Pedro Santana Lopes.

Conceição Monteiro e Pedro Santana Lopes Créditos: Diário de Notícias


Continua a sentir tristeza com a saída de Pedro Santana Lopes do PSD?

É um desgosto, até choro. Pedi-lhe tanto para não sair…


Como é que vê Portugal em 2023?

Eu vejo 2023 com muita apreensão. A inflação está a ser uma coisa dramática para muita gente. Então quem tem filhos pequenos não tem ordenados que possam pagar 1500 por uma casa com 3 quartos de cama. O que vale é que há beliches! Todas as semanas as mesmas coisas aumentam. A vida está muito difícil.


Foi secretária de Sá Carneiro entre 1974 e 1980, chefe de gabinete do grupo parlamentar entre 1981 e 1983, e deputada à Assembleia da República/secretária do Professor Cavaco Silva entre 1987 e 1995. Fez tudo aquilo que queria na política ou gostaria de ter dado algo mais ao partido e ao país?

Eu gostava era de ter tido mais para dar ao partido e ao país.


Como é que analisa o estado atual do PSD? Acha que estamos no caminho certo?

Eu acho que estamos no caminho certo, mas fico triste com algumas coisas. Não estamos a ser assertivos. As pessoas não estão a compreender porque é que a sua vida está a piorar em vez de melhorar. Há muita gente que já começa a ter saudades do antigamente.


Um discurso mais populista?

Um discurso mais verdadeiro. Não digo ser-se populista, mas as verdades têm que ser ditas.


Se pudesse dar, e com certeza que já o fez, que conselho daria ao atual presidente Luís Montenegro?

Daria um conselho para falar mais vezes naquilo que interessa verdadeiramente aos portugueses, que é o dia-a-dia de cada família. É a coisa mais importante que há. Uma família influencia o prédio onde vive, influencia os amigos, influencia os pais dos meninos que andam na mesma escola. Só assim tomamos consciência das dificuldades reais e concretas das famílias, desde as mais endinheiradas até às mais miseráveis, àquelas a quem falta tudo.

Conceição Monteiro com o atual Presidente do PSD, Dr. Luís Montenegro. Créditos: Jornal i


Como olha para a abstenção e o crescente afastamento dos mais jovens em relação à política? Qual seria a sua receita para contrariar este cenário?

Isto está tão mau, que a única maneira, pelo menos durante uns anos, era que o voto fosse obrigatório. Talvez pudesse criar o hábito das pessoas votarem e de obrigar os jovens a pensar: “Já que tenho que ir, deixa cá ver em quem é que eu vou votar?”.


Esse afastamento dá-se por irresponsabilidade dos jovens, ou, pesando bem as palavras, de uma certa incompetência dos políticos que não os conseguem cativar para a participação cívica e política?

Os jovens não se sentem atraídos para a política porque acham que não vale a pena. Eles acham que muda o partido do governo e as coisas continuam na mesma. Os jovens têm que percebem que só eles e o voto deles é que podem obrigar os políticos a mudar.


Falta autenticidade, genuinidade e proximidade nos políticos?

Era isso que o Francisco tinha! Era curioso ver como ele era recebido nos cafés, restaurante… toda a gente queria falar com ele. E ele respondia a tudo e a todos. Tinha essa empatia com as pessoas. E agora, muitas vezes, os políticos dão muitos beijinhos, tiram muitas selfies, mas não fazem aquilo que eu acho que eles deviam fazer.


Isso é um recado ao Presidente da República?

O Marcelo, o meu neto, sabe bem aquilo que eu penso!


Quase cinco décadas depois, a política continua a ser dominada por homens. O que é que está a faltar para uma maior participação das mulheres na política ativa?

Uma maior facilidade em conjugar a vida política com a vida familiar. Enquanto estive na Assembleia, tive várias colegas mulheres e vi a sua angústia e aflição, porque se não eram de Lisboa, não tinham com quem deixar os filhos.


Esta edição da revista aborda a ética na política. O que é para si a ética na política?

A ética na política é para mim importantíssima, porque já o Francisco Sá Carneiro dizia que: “A política sem risco é uma chatice, sem ética é uma vergonha”. E realmente, a vida sem ética, seja na política, seja fora dela, é uma vergonha. E então quando é um político, quanto mais alto o cargo que ocupa, mais vergonhoso é!


A Conceição no início da nossa conversa falou-nos de um livro que leva para todo o lado e que é a sua Bíblia. Qual é?

O “Impasse”.


Considera que é um bom repositório do pensamento de Sá Carneiro?

Muito bom!

Fernando Santos num dos momentos da entrevista com Conceição Monteiro.

Créditos: Aqui há Futuro!


CAPA DA REVISTA AQUI HÁ FUTURO DE JANEIRO DE 2023.

Créditos: AQUI HÁ FUTURO!


Percorra a galeria de imagens com as páginas da entrevista com Conceição Monteiro na revista Aqui há Futuro! - Inspira a Mudança.

Créditos: Aqui há Futuro!

Fernando Santos

Politólogo




Comments


bottom of page