A “Grande Demissão” ou em Inglês The Great Resignation foi a expressão encontrada para descrever os 4.5 milhões de trabalhadores que deixaram os seus postos de trabalho nos Estados Unidos durante o último ano da pandemia da COVID 19. Este êxodo de profissionais ocorreu principalmente em sectores como a hotelaria, retalho, cuidados de saúde, assistência social, transporte e logística. A ajuda financeira oferecida pelo governo norte-americano, durante a fase crítica da pandemia, permitiu que muitos destes profissionais aproveitassem a oportunidade para dizer não aos baixos salários, aos longos horários, ao risco de burnout e às práticas abusivas de muitos empregadores, saindo, assim, do mercado de emprego tradicional.
A gigante Amazon, conhecida por ter políticas de Customer First, leu rapidamente os sinais e procedeu a uma importante mudança no seu foco estratégico, onde, pela primeira vez, o Colaborador se transformou no centro da organização e no seu principal ativo e não o Cliente.
Hoje a Amazon, não só mudou em 180 graus o seu posicionamento como empregador, como pretende ser a Earth’s Best Employer, oferecendo um conjunto de benefícios aos seus colaboradores nunca antes visto.
Em Portugal, a pandemia também trouxe, na devida proporção, uma “Grande Demissão” em sectores que tradicionalmente pagam mal os seus trabalhadores, como a hotelaria e a restauração, que perderam dezenas de milhares de colaboradores para outros sectores. Atualmente, calcula-se que sejam necessários mais de 50 mil novos trabalhadores apenas para a Hotelaria, uma das atividades que mais emprega (ou empregava) em Portugal. No próprio Estado, apesar do número de funcionários públicos ter aumentado, também se verificou uma “Grande Demissão”, neste caso muito mais grave e com consequências muito mais sérias.
Finalizado o estado de emergência em Portugal e terminada a proibição de desvinculação de médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), em maio do ano passado, saíram, em média dois médicos por dia, muitos de medicina interna, para o sector privado, desgastados, desiludidos, desmotivados e acima de tudo desencantados com as condições de trabalho e com a falta de recursos técnicos e humanos.
Para a maioria das centenas de médicos que saíram nos últimos anos do SNS não foi o dinheiro que os motivou a trocar o público pelo privado, mas o risco de burnout, devido aos horários intermináveis e à pressão diária para dar resposta às solicitações de um SNS mal gerido, ineficaz e a rebentar pelas costuras, que os impedem de ter, em muitos casos, uma atividade científica ou académica, ou até mesmo uma vida familiar minimamente equilibrada e saudável.
É aqui que voltamos ao caso da Amazon que citei no início.
Enquanto o Ministério da Saúde não perceber que não tendo os seus profissionais de saúde devidamente remunerados, satisfeitos com as condições oferecidas, realizados profissionalmente, envolvidos na gestão diária e com a qualidade de vida que merecem, quem perderá será o utente, aquele que é o objeto desta grande conquista do nosso estado social que é o Serviço Nacional de Saúde.
A literacia em saúde, que consiste nas condições que reúnem o conhecimento, a motivação e as competências que facilitam o acesso, a avaliação e o uso da informação com o fim de dar suporte às decisões em saúde, constitui um elemento determinante no sucesso de qualquer política de saúde. Isto é, o Cliente do SNS, que corresponde à grande maioria da população portuguesa é quem sairá a perder com a continuação da Grande Demissão na Saúde. Mas como esses clientes não têm a possibilidade ou os meios para mudarem de fornecedor, pouco ou nada podem fazer a não ser continuar a aguentar estoicamente a falta de médicos de família, as intermináveis listas de espera, os maus diagnósticos e a correr o risco de entrar num hospital público pelos seus pés e sair por outros meios.
Vítor Carmona
Gestor de Pessoas
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