O conceito de participação pública pode ser entendido como o envolvimento e colaboração dos cidadãos nos processos de decisão associados ao desenho e implementação de políticas públicas, tendo como finalidade estimular a sua participação direta e a tomada de decisão.
Os mecanismos de participação pública são, atualmente, amplamente utilizados e reconhecidas as suas vantagens. As iniciativas que têm sido implementadas a nível local demonstram que o envolvimento dos cidadãos, através de uma partilha de soluções, é geralmente um fator decisivo que vem enriquecer as próprias políticas públicas.
É inquestionável que a forma como os cidadãos se organizam hoje em sociedade e se relacionam com o poder político mudou significativamente: querem estar informados com detalhe sobre os projetos e decisões políticas que os afetam, querem participar com ideias, querem ser uma parte ativa nos projetos municipais e, acima de tudo, querem ser envolvidos diretamente nas decisões.
Neste contexto, a cultura e humildade democrática de quem assume funções governativas, quer seja a nível nacional, quer seja a nível do poder local, diz muito da sua decisão quanto ao exercício de uma maior ou menor abertura à participação pública dos cidadãos.
Cada vez mais o ato de governar deve ser entendido como um exercício de inteligência coletiva, capaz de mobilizar o melhor de cada pessoa, de reforçar o sentimento de pertença das comunidades, de criar espaços de negociação coletiva quanto às necessidades dos territórios e/ou dos cidadãos, no âmbito do qual zelar pelo bem comum deverá ser o objetivo de todos os envolvidos.
Não se pretende, no entanto, que a participação pública se substitua aos poderes instituídos dos órgãos decisores políticos, mas que antes possam contribuir para o envolvimento dos cidadãos e dos atores locais, daqueles que realmente vivenciam os problemas e os constrangimentos quotidianos e que, por isso, têm sobre os mesmos opiniões concretas e realistas que podem ser determinantes para a sua resolução. Pretende-se, acima de tudo, que a participação pública possa contribuir para a construção de processos bem estruturados, suportados por uma vontade política com vista a encontrar soluções coletivas para as mudanças necessárias, respeitando o espírito das propostas apresentadas.
O contexto em que hoje se promove a participação pública a nível local é um contexto de grande falta de confiança nos processos participativos. Por um lado, o poder político olha para os cidadãos como grupos organizados de interesses e, portanto, incapazes de pensar o bem comum coletivo, mas também como sujeitos desprovidos de conhecimentos sólidos que lhes permita apresentar ideias e projetos responsáveis, realistas e equilibrados para o território. Por outro lado, a sociedade encara o poder político como um agente pouco sério e transparente nos processos de participação pública, considerando não haver uma verdadeira partilha do poder e da inclusão das ideias e projetos apresentados no desenho final das políticas públicas.
É neste sentido que se tem de dar à participação pública um cunho de disrupção, a capacidade desta gerar confiança em ambas as partes, a implementação de processos participativos que envolvam verdadeiramente os cidadãos, desde a apresentação das suas ideias, opiniões e sugestões até à devolução de resultados que integrem os seus contributos, de forma clara e transparente. Se o resultado de um processo de participação pública gerar confiança, os cidadãos vão dedicar parte do seu tempo e empenhar-se em encontrar soluções para o bem coletivo; pelo contrário, se o resultado não gerar a confiança necessária ou se se desviar para uma realidade que o cidadão já não controla, facilmente o próprio processo fica descredibilizado, muitas vezes de forma irremediável.
Há, portanto, uma necessidade imperiosa de definir o grau de compromisso da participação pública a nível local, sendo a integração da participação ativa dos cidadãos nos processos de decisão um dos grandes desafios que as autarquias enfrentam hoje em dia.
Um dos desafios passa por encarar a participação pública e o exercício de uma cidadania ativa como uma política pública permanente, que se posicione lado a lado com as restantes políticas públicas dos governos locais.
Em termos gerais, esta questão não é mais do que criar sistemas de participação pública, nos quais se integram naturalmente os processos obrigatórios por lei, bem como os processos de participação pública dinamizados voluntariamente pelo poder político, organizados de forma lógica, coerente e transversal a toda a organização, em que os cidadãos decidem de que forma e qual o grau de envolvimento que pretendem ter com o poder político.
Haverá cidadãos que apenas querem dar a sua opinião; haverá outros que preferem decidir ou ajudar a decidir políticas públicas; haverá alguns que estarão mais disponíveis para ajudar a planear uma política pública, por exemplo.
A escolha do grau de envolvimento nos processos participativos caberá ao cidadão. A disponibilização de múltiplos processos participativos, integrados numa lógica de sistema, em que todos os processos de interliguem de forma coerente como vasos comunicantes, cabe ao poder político.
O primeiro passo para se atingir este desígnio é haver vontade política. Questão fundamental.
É encarar a participação pública como uma ferramenta de apoio à decisão, como um meio de envolvimento dos cidadãos, como um caminho para a criação de uma sociedade mais inclusiva e mais equilibrada.
É deixar de ter receio de partilhar o poder com os cidadãos, é deixar de ver o exercício de cidadania como um problema para quem tem que decidir politicamente.
Impossível? Não. Difícil? Sem dúvida.
Ana Vieira
Engenheira do Ambiente
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